
Estudo português revela que homicidas são perfeccionistas e controladores
Avaliados sintomas psicopatológicos, personalidade e
processamento emocional de 30 homens detidos por
homicídio em dois estabelecimentos prisionais de Portugal.
Foram condenados por diferentes tipos
de homicídio, desde o passional e
familiar até às mortes resultantes de
negócios ilícitos, assaltos, brigas ou
vingança. Porém, de acordo com um
estudo da Universidade de Aveiro
divulgado esta segunda-feira, um grupo
de 30 homens detidos por homicídio em
prisões portuguesas revelam alguns
traços psicológicos comuns como uma
tendência para o perfeccionismo,
controlo e inflexibilidade. Nos testes,
entrevistas e questionários mostraram
ainda dificuldade em identificar
emoções nos outros (como o medo, por
exemplo) e sinais de psicopatia.
A principal conclusão deste estudo será
pouco surpreendente, sobretudo
quando sabemos que é sobre homicidas
condenados em cadeias portuguesas:
estes homens (todos os participantes
eram do sexo masculino) precisam de
acompanhamento psicológico agora (no
contexto prisional) e recomenda-se que
continue depois (cá fora, após o
cumprimento da pena).
O estudo realizado durante o
doutoramento em psicologia de Dulce
Pires, que já defendeu a tese, encontrou
alguns traços distintivos entre o grupo
de 30 homicidas e o grupo de controlo
com 30 homens da população em geral.
No grupo dos detidos encontram-se
condenados por homicídio voluntário,
na forma simples, qualificada e
privilegiada (no Código Penal, o
homicídio privilegiado é definido por
quem, ao matar outra pessoa, estiver
por exemplo dominado por
compreensível emoção violenta,
compaixão, desespero, que diminua a
sua culpa, num que é punido com pena
de prisão de um a cinco anos).
“Pela primeira vez em Portugal, um
grupo de psicólogos avaliou os sintomas
psicopatológicos, a personalidade e o
processamento emocional de reclusos
condenados por homicídio”, sublinha o
comunicado sobre a investigação de
Dulce Pires, orientada por Isabel Santos
e Carlos Fernandes da Silva (ambos da
Universidade de Aveiro) e Ana Allen
Gomes (agora na Universidade de
Coimbra).
Trinta pessoas parecem poucas para
tirar conclusões definitivas. E, de facto,
Dulce Pires confirma que não é o
suficiente para fazer “extrapolações
generalizadas”. No entanto, e sem
esquecer que este é o número mínimo
para validar uma amostra clínica, o
grupo tem dimensão suficiente para
tirar algumas conclusões e deixar pistas
importantes. Segundo explicou ao
PÚBLICO a investigadora, os homicidas
distinguiram-se de uma forma clara do
grupo de controlo por pontuações mais
elevadas na denominada “escala
compulsiva” e nas características
associadas. Trata-se de uma escala
associada à perturbação de
personalidade obsessivo-compulsiva
que afecta pessoas com uma
preocupação excessiva com a ordem, o
perfeccionismo, o controlo mental e
interpessoal.
Sobre resultados concretos, Dulce Pires
refere que “a prevalência da
sintomatologia desta perturbação de
personalidade nos indivíduos
condenados por homicídio foi de 36% e
no grupo de controlo foi de 23%”. E
estes dados suscitam algumas questões.
Primeiro, a diferença entre os dois
grupos em termos de valores absolutos
não parece significativa. “Pode não
parecer muito diferente mas, de acordo
com a análise estatística que fazemos
neste tipo de estudos, é uma diferença
significativa”, esclarece a investigadora.
Em segundo lugar: a prevalência do
grupo de controlo parece ser
consideravelmente elevada. Dulce Pires
confirma que os valores neste grupo
foram mais elevados do que esperavam
e que, inevitavelmente, levantam
alguma preocupação sobre “o estado da
saúde mental da população em geral”.
A investigadora nota que os resultados
deste estudo confirmam algumas
questões que têm sido exploradas
noutros trabalhos, a nível internacional.
Uma dela é, por exemplo, a questão da
faceta de impulsividade na
caracterização da personalidade destes
indivíduos, que, adianta Dulce Pires, “é
considerada na literatura científica
como um factor de risco do
comportamento criminal”. Outro
exemplo de um traço que foi
identificado neste estudo é a presença
de psicopatia. “Este aspecto também
tem estado presente a literatura
científica, em variados estudos,
associados ao comportamento
violento.”
Trauma, emoções e
arrependimento
A entrada da investigadora no meio
prisional não foi fácil. Dulce Pires
admite que recebeu algumas recusas
atrás das grades e que o processo foi
cuidadosamente preparado. “Eles
sabiam que teriam de falar do crime
que cometeram. Alguns não quiseram
participar no estudo, outros
participaram mas não queriam falar no
crime, outros percebemos pela consulta
dos processos que optaram por
mascarar as situações em que estiveram
envolvidos e houve outros ainda que
aproveitaram ali o momento para
desabafar e falar com alguém”, lembra.
Neste grupo de homens foram ainda
identificados sintomas de stress póstraumático.
Mas é difícil perceber se o
trauma é anterior ao acto violento
(podendo ter funcionado como
“gatilho”), se é uma consequência do
crime cometido ou se é uma situação
que resulta do facto de estarem numa
prisão e, na maioria dos casos, por
muitos anos. Aliás, esta é outra das
questões que têm sido exploradas
noutros estudos sobre homicidas e
outro tipo de ofensores, sublinha a
investigadora, que também
desempenhou funções como psicóloga
clínica e formadora em contexto
prisional, tendo trabalhado com
reclusos condenados por diferentes
tipos de crime.
Primeiro, receberam questionários para
responder, depois foram entrevistados
e, por fim, realizaram uma bateria de
testes que são especialmente
concebidos e validados para este tipo de
estudos. No capítulo dos testes
concebidos para avaliar o
processamento emocional, a
investigadora também encontrou
diferenças entre os condenados e grupo
de controlo. Os detidos tiveram um
desempenho mais fraco na identificação
de emoções como o medo, a alegria, a
tristeza e a surpresa quando
confrontados com imagens de uma base
de dados internacional usada para estas
tarefas de reconhecimento. Dulce Pires
reconhece que estas “falhas” podem
afectar “a forma como o indivíduo se
relaciona com o outro, como interpreta
as situações quotidianas, podendo em
situações de conflito representar um
factor de risco para um acto violento”.
E, já que falamos de emoções, estes
homens mostraram sinais de
arrependimento dos crimes cometidos?
“Alguns, não todos”, responde a
investigadora. Por fim, será que os
resultados desta investigação seriam
diferentes se seleccionássemos uma
amostra (difícil porque os casos são
bastante mais raros) de mulheres
homicidas? Dulce Pires não hesita:
“Acredito que sim. Há uma diferente
gestão das emoções que podia alterar
algumas destas conclusões.”
Fonte: Andreia Cunha Freitas – Jornal Público (26/04/18)
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