Masturbação: A ala secreta da sexualidade
Fonte: Ana Alexandra Carvalheira – Revista Visão (11/02/2017)
Quando todos os tabus da sexualidade parecem já ter caído, questiono-me sobre a falta de clareza que ainda persiste no tema da masturbação. Trata-se de um comportamento sexual individual, em que a pessoa procura a obtenção de excitação e satisfação sexual por si própria. Falamos de prazer sexual a solo, qual é o mistério?
A masturbação, durante séculos foi denominada de Onanismo, por causa de Onã, um personagem bíblico do Antigo Testamento (segundo filho de Judá), que derramava o esperma na terra para não ter um filho com a viúva do seu irmão (o primogénito) e assim não dar descendência a seu irmão por querer ser ele a reinar. O nosso Nobel da Medicina, Egas Moniz, na 12ª edição da sua obra A vida Sexual (1913) concordou com outros médicos que já consideravam a masturbação uma patologia e uma causa de doença mental. E assim, esmagada pela religião e pela medicina, a masturbação foi durante alguns séculos considerada uma doença, um comportamento proibido na adolescência e uma coisa maléfica na vida adulta. Na segunda metade do século XX, a masturbação passou da condição de doença a tratamento, quando LoPiccolo & Lobitz* introduziram técnicas de masturbação no protocolo terapêutico para mulheres com problemas sexuais. No meu consultório continuo a ouvir narrativas da sexualidade feminina em que a masturbação aparece associada a culpa e vergonha, ou que não aparece de todo. Recordo-me de uma jovem de 23 anos nascida e criada em meio urbano, viajada, “católica nunca praticante”, nas suas palavras, que me disse que nunca se masturbou “por uma razão idiota que não faz sentido nenhum e que nunca disse a ninguém mas, a verdade é que eu nunca me masturbei porque tinha medo que Deus me estivesse a ver”. Esta herança cultural da tradição Judaico-Cristã, transmite atitudes negativas face à masturbação que têm persistido e levado a sentimentos de culpa e de vergonha, no caso das mulheres. A socialização sexual é mais permissiva para os homens e mais repressiva para as mulheres. E o tema da culpa é aliás um tema do universo feminino, lamentavelmente. O aspecto de não contar a ninguém também não me surpreende. As mulheres falam entre si sobre masturbação? Não creio. Os homens falam uns com os outros sobre masturbação? Também não creio. E homens e mulheres numa relação falam sobre a sua práctica de masturbação? Não falam. Muito pelo contrário, em muitas situações e vidas este comportamento é um segredo. No contexto relacional, homens e mulheres escondem a sua práctica de masturbação um do outro. Não é coisa que se diga ao jantar, do tipo, “…esta manhã masturbei-me antes do duche e senti-me melhor a seguir”. Porque é que algumas mulheres escondem a masturbação dos seus parceiros? E o que é que os homens sentem quando sabem que a parceira se masturba? Falamos obviamente dum contexto heterossexual. Por um lado, a mulher teme ferir a suscetível masculinidade do companheiro, e por outro, ela própria pode ter dúvidas sobre se tal comportamento é suposto e aceitável no contexto da relação. Outra razão no lado dela pode ser o sentimento de incompetência associado ao facto de conseguir atingir o orgasmo na masturbação mas não nas relações sexuais com ele. Outra derradeira machadada na sua virilidade. As razões para manter este comportamento escondido são complexas. Pode ser ainda pelo facto de usarem estímulos particulares de que se envergonham (por exemplo, o uso de pornografia, sobretudo no caso delas). Não é fácil falar sobre isto com o outro. E também não é obrigatório, ou seja, não é negativo haver pequenos segredos. O que é negativo é a pessoa não aceitar bem o seu comportamento de masturbação e sentir-se envergonhada ou embaraçada, como se estivesse a fazer alguma coisa má.
A masturbação não é de todo um substituto do parceiro. Aliás é bem sabido que algumas mulheres se sentem mais estimuladas quando têm mais actividade sexual com parceiro(a) e por isso masturbam-se com mais frequência. A masturbação é apenas mais uma forma adicional de ter prazer sexual que naturalmente pode acontecer no contexto de uma relação ou a solo. Na presença de um determinado estímulo, que pode ser por exemplo um simples pensamento invasivo que surge subitamente, uma sensação física de excitação que se reconhece no corpo, ou uma fantasia que elabora deliberadamente, a pessoa persegue a excitação sexual até ao prazer, e embarca nisto sozinho. O prazer sexual pertence a cada um, e a masturbação é mais uma forma de o experienciar. Mas para além do prazer sexual, homens e mulheres também se masturbam por outras razões, por exemplo, para aliviar o stress ou para adormecer melhor. Algumas particularidades da masturbação feminina dizem respeito à forma de masturbação. E julgo que entramos noutra ala secreta. Como é que as mulheres se masturbam? Com base no trabalho clínico e na escassa investigação sobre o assunto, sabemos que as formas de masturbação no universo feminino são muito mais diversas, inventivas e criativas do que no masculino. E há duas razões para isto, uma de ordem anatómico-fisiológica e outra de ordem socio-cultural. A primeira é relativa à complexidade da genitália feminina (um clitoris de 9 cm quase todo escondido por ser uma estrutura interna e o mesmo sobre a vagina). A segunda razão é de novo a socialização sexual mais repressiva das mulheres que as obrigou a desenvolver mecanismos de estimulação genital sem se tocarem directamente com a mão, por exemplo através do uso de almofadas e outros objectos para fazer pressão na genitália ou mesmo o uso do jacto de água do chuveiro. Outa forma de masturbação que algumas mulheres relatam é através dum movimento de balanceamento de uma perna cruzada sobre a outra a pressionar a coxa. Num estudo que levei a cabo em 2008** com uma amostra de 3,687 mulheres Portuguesas esta forma de masturbação foi referida por 9% das mulheres e a maioria delas só conseguia o orgasmo com este tipo de estimulação, e não com o parceiro. Para além disto, a masturbação inclui ainda a introdução de objectos na vagina, e o vibrador já faz parte da bagagem íntima de muitas mulheres que o assumem como um objecto de referência para o seu prazer sexual.
Nos últimos anos, a investigação tem apresentado a masturbação como um indicador de saúde sexual. Antes de mais porque permite uma aprendizagem sobre o corpo (genital e não só) e sobre a resposta sexual. Diversos estudos têm mostrado que a masturbação tem um papel positivo no desenvolvimento sexual e revelam nas mulheres uma associação positiva significativa entre a práctica da masturbação e o orgasmo durante o coito, e entre masturbação e satisfação sexual. A masturbação é uma práctica sexual saudável e desejável, e ao longo da vida pode fazer parte do repertório sexual de qualquer homem ou mulher, independentemente de haver ou não um contexto relacional.
* LoPiccolo, J. & Lobitz, W. (1972). The role of masturbation in the treatment of orgasmic dysfunction. Archives of Sexual Behavior, 2(2):163-171.
** Carvalheira, A. & Leal, I. (2013). Masturbation Among Women: Associated Factors and Sexual Response in a Portuguese Community Sample. Journal of Sex and Marital Therapy, 39(4): 347-367.
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