Os arrogantes de serviço
Transformam o escritório num campo minado, e a vida dos outros num inferno. Mas ser arrogante, rende. Para mal dos nossos pecados.
Padre Américo que me desculpe, mas há rapazes maus. E raparigas também. Não digo que tenham nascido assim, aliás tenho a certeza de que não, mas para o caso pouco importa porque quando nos cruzamos com estas criaturas já vão adiantados nos anos, e suspeito de que pouco há a fazer para os redimir. Aliás, nem é essa a questão: tudo o que queremos é fugir deles. O pior é quando não há escape, porque estamos fechados com eles na mesma sala, na mesma empresa, vezes demais, no mesmo país.
Num primeiro momento, a sua arrogância causa-nos espanto. Cumprimentamos segunda vez, repetimos o sorriso, mas nada. Continuam a olhar-nos com o maior desdém, às vezes verbalizam-no até. Percebendo a sua animosidade, vasculhamos na memória um incidente causal que explique o que se passa, mesmo quando nunca o tínhamos visto mais gordo/a. Temos vontade de lhe perguntar se odeia a humanidade inteira, ou se é uma questão pessoal, mas calamo-nos muito caladinhos. Porque a verdade é que nos metem medo, e nos deixam inseguros, como se estivéssemos na escola primária, no primeiro dia de aulas.
Obviamente alimentam-se do incómodo que provocam nos outros. Do seu ponto de vista só confirma a certeza da sua superioridade, tomam-no como prova de que aceitamos o seu lugar no topo da cadeia alimentar, e o nosso, cá em baixo. Não perdem uma ocasião de humilhar, corrigindo-nos, troçando, interrompendo, o que lhes interessa é levar-nos a perder o pé. A sua estratégia-chave é transformar qualquer assunto numa questão pessoal. Se não concordamos com ele, é porque nos falta inteligência; se o contrariamos, é porque não somos capazes de entender a sua perspicácia; se lhe dizemos que está enganado, é porque somos invejosos.
Ao fim de um bocadinho, odiamo-nos a nós próprios, por não lhe fazermos frente. Possuem-nos, e começamos a sonhar com eles, a ensaiar na cabeça a resposta letal que lhes vamos dar, e damos por nós a falar deles a todas as pessoas com quem nos cruzamos, como se nos quiséssemos libertar do veneno que nos injetaram nas veias. E a pergunta volta, insistente: por que raio nos põem neste estado?
Antes de mais nada é preciso perceber que a arrogância é uma entidade psicológica real e quantificável, que afecta fortemente as relações de poder no local de trabalho. Os arrogantes acham-se mesmo muito melhores do que os outros, e colhem vantagens claras do seu comportamento, desde o princípio dos tempos. Quem o afirma é o psicólgo Gleen Geher, num artigo intitulado “Psicologia da Arrogância”, publicado na Psychology Today. Recorda que a intimidação leva ao sucesso, custe-nos o que custar admiti-lo. Os superiores hierárquicos e os colegas de um arrogante pontuam-no miseravelmente na simpatia, na falta de escrúpulos, rotulando-os de pessoas difíceis, tudo menos populares, mas a parte triste desta história, indicam os estudos feitos sobre o assunto, é que feitas as contas, a arrogância rende. Chegam onde querem, e normalmente querem lugares de poder. Pense, por exemplo, sugere Gleen Geher, quando é que foi a última vez que confrontou o arrogante de serviço? Ah pois é, diz o psicólogo, provoca um desgaste imenso confrontar uma pessoa destas, com a agravante de que raramente adianta grande coisa, ou muda seja o que for. Ou seja, todas as desculpas são boas para evitar fazê-lo.
Quanto a soluções, não apresenta muitas: sozinhos, nada feito, consola-nos. Mas, garante, as alianças funcionam, porque unidos venceremos. Apesar de tudo, acrescento eu, a vida vai-nos mostrando que acabam por dar cabo de si próprios, e são profundamente infelizes entretanto. Ao menos isso.
Fonte: Isabel Stilwell – Jornal de Negócios (22/05/2018)
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