Os riscos de emagrecer a qualquer custo para uma ocasião especial
Conversamos com especialistas sobre radicalismos e as etapas para um processo realmente saudável de perda de peso.
Fonte: Correio Brasiliense, Autor: Giovanna Fischborn – data: 22/05/2022
Para o MET Gala deste ano, evento que arrecada fundos para o Metropolitan Museum of Art de Nova-iorque, a empresária e modelo Kim Kardashian emagreceu 7kg em três semanas. O objetivo? Usar, no tapete vermelho, um vestido histórico que pertenceu a Marilyn Monroe. Entre as estratégias, cortou carboidratos e açúcar. A dinâmica do “perca muito peso em poucos dias” e o fato de Kim admitir o esforço para entrar na roupa levantam questões sobre saúde mental e emagrecimento saudável. Afinal, já não havíamos superado esse discurso?
Métodos radicais que prometem mudanças rápidas tiveram o seu auge. Durante muito tempo, a cultura da magreza naturalizou tais fórmulas. Ainda assim, parece não termos entendido o recado. “No caso de Kim, é provável que tenha feito uma privação calórica, o que, em excesso, pode trazer transtornos psicológicos e desordem hormonal”, analisa Lucas Americano, da TAI Crossfit.
Muitas pessoas que iniciam os treinos num ginásio esperam melhorar a forma e até mesmo secar. Provavelmente, a maioria prefere que os resultados venham logo. Isso é natural. Mas Lucas observa, também, outro perfil: “Quem aparece com uma meta urgente — um casamento, uma festa, uma prova ou um exame — quer resolver o que deveria ter feito em seis meses em 30 dias, 15 dias ou, pasme, uma semana. E isso não é saudável”.
Lucas afirma que a fórmula do emagrecimento não tem mistério: é deficit calórico controlado. Ou seja, come uma quantidade abaixo do que precisa, mas de maneira a manter as funções de performance — esse é um ponto importante. Só assim é possível se exercitar com qualidade. A indicação costuma ser um combo de treino de força com treino de condicionamento (caminhada, natação, dança, corrida) para complementar o gasto de calorias do dia.
Provando que um corpo instável gera uma mente instável, a nutricionista Elissa Cunha atende pacientes que, guiados pelo discurso do milagre do emagrecimento, desenvolveram ansiedade generalizada, compulsão alimentar, veem-se deprimidos, frustrados e estão sempre insatisfeitos com o próprio corpo. “Embora os média busque representar vários biótipos, esse apelo ainda é pequeno frente o sucesso vendido por pessoas com corpos de boneca. Isso também leva a um movimento da indústria de vender produtos diet, light, sem açúcar, sem lactose ou glúten, sem falar de drogas sem prescrição médica e por aí vai”, explica.
Acontece que o corpo tende a retomar o peso por achar que estava debilitado. “Entende como nosso organismo é perfeito? Ele vai querer recuperar esse período que achou que estava a passar fome”, detalha Elissa. Com falta de líquido e minerais, desequilíbrio típico do emagrecimento não saudável, vem o conhecido efeito acordeão, também chamado de efeito rebote: a tendência é não só recuperar os quilos perdidos, mas aumentar o peso depois.
Também por esse motivo, para um processo saudável, é recomendado acompanhamento profissional, com controlo dos níveis de açúcar no sangue, ingestão correta e suficiente de vitaminas e minerais e observação de quaisquer sintomas que pareçam estranhos.
Você veste a roupa, não é a roupa que te veste
A estudante Yasmin Santos, 23 anos, sabe bem que esse é o melhor caminho. Sem neura. Mesmo assim, ela, que está prestes a se casar, passou por uma situação incômoda durante os preparativos para o grande dia. Em uma das provas do vestido, mesmo com o ajuste pago e acertado, sugeriram que ela perdesse alguns quilinhos para a roupa não apertar na cintura. “Sabemos que é um comportamento comum entre noivas, que ficam ainda mais ansiosas e preocupadas antes da cerimónia. Mas, no meu caso, se eu voltar lá e o vestido continuar apertar-me, eles que lutem para dar um jeitinho”, diz.
Quando tinha 14 anos, Yasmin chegou a se sentir insatisfeita com o próprio corpo. Na época, conseguiu mudar com saúde. Hoje, tem uma ótima relação com seu físico, continua sem fazer dieta, mas come bem e de tudo. “Gosto de comer e continuo firme e forte na atividade física. Ando para cima e para baixo de bicicleta, faço treino funcional três vezes por semana e por aí vai. Essa minha liberdade de comer o que eu quero acabo balanceando com exercício”, conta.
Boa relação com a comida é fundamental
Psiquiatra do Instituto Meraki de Saúde Mental, Leonardo Rodrigues da Cruz lembra que emagrecer pode trazer mais que benefícios estéticos. Estar em forma e saudável ajuda no controlo de doenças clínicas e emocionais. Entretanto, antes de se propor a uma mudança do tipo, ele sugere, além da reeducação alimentar e rotina de atividade física, que se faça o manejo de compulsões e pensamentos alterados — como baixa autoestima e distorção de autoimagem. Nesse ponto, a psicologia e a psiquiatria contribuem muito com a área nutricional e física.
“Muitas das vezes, o comportamento alimentar precisa ser trabalhado, verificando a presença de erros alimentares, de compensações em momentos de maior stresse e de tentativas com dietas muito restritivas seguidas da quebra, que vem na forma de desistência ou descontrole”, explica. É que a comida pode ser um distrator fácil para esses conflitos, porque proporciona alívio momentâneo sem que seja preciso lidar com a angústia real. Histórico de traumas, rejeição, abuso ou desmerecimento podem facilitar essa compulsão.
Outro aspeto relacionado é o cuidado com o sono, que influencia no êxito (ou não) da perda de peso ou manutenção dele. “Assim, a melhor forma de manter o peso depois de emagrecer é fortalecer a motivação intrínseca, trabalhando a sensação de autoeficácia (capacidade de sentir que consegue lidar com desafios), fazer monitoramento pessoal e multiprofissional para, assim, conter a autossabotagem”, orienta o médico
E no desporto?
E qual a diferença no caso de atletas que secam rápido, como fisiculturistas ou lutadores? Lucas Americano, da TAI Crossfit, explica que eles emagrecem de uma vez só no pré-combate, de maneira controlada, por meio de um processo de desidratação até 48 horas da competição. O objetivo é ficar com a pele mais fina e com os músculos mais aparentes, no caso dos fisiculturistas. Para quem luta, a ideia costuma ser bater o peso de uma determinada categoria. Mas, acredite, mesmo eles sabem dos malefícios da prática. Por isso, costumam contar com uma equipa preparada.
Leia aqui o artigo original: https://www.correiobraziliense.com.br/revista-do-correio/2022/05/5008290-os-riscos-de-emagrecer-a-qualquer-custo-para-uma-ocasiao-especial.html
Artigos Relacionados
Como evitar e não enlouquecer com a crise dos 30 anos na carreira
A expetativa frustrada de alcançar um patamar elevado ou um estilo de vida...