Quando as criança deixam de falar
Quando iniciou o segundo ano do primeiro ciclo, Luísa (nome fictício) deixou de responder às perguntas da professora. Sempre que esta lhe fazia perguntas, a criança, de 7 anos, desviava o olhar, baixava a cabeça, encolhia-se na cadeira e não conseguia dizer uma palavra. No recreio também não conversava com os colegas. Costumava brincar com outra rapariga, mas com quem também mal trocava duas palavras. Depois, assim que chegava a casa, Luísa conversava sem qualquer problema com os pais e com a avó.
Ao fim de dois meses de silêncio na sala de aula, os pais pediram ajuda a uma psicóloga. Receavam que a filha sofresse de alguma dificuldade de aprendizagem, mas o diagnóstico foi outro: mutismo selectivo. “É uma perturbação pouco frequente que afecta crianças muito tímidas, com uma grande carga de ansiedade”, explica a psicóloga clínica Alexandra Chumbo. “Ocorre quando uma criança com capacidade para falar deixa de o fazer em situações sociais, como na escola ou em locais onde estão adultos que não conhece.”
Cada caso é único. Por exemplo, Luísa já conhecia a professora, era a mesma do ano anterior, e os colegas da turma também não lhe eram estranhos. Nunca foi muito faladora e a situação agudizou-se. “Era filha única, superprotegida. Tinha sido criada pela mãe, depois por uma avó, e só foi para o ensino pré-escolar aos 5 anos. Antes disso tinha tido muito pouco contacto com outras crianças e não desenvolveu a capacidade de conviver”, diz a psicóloga. Sem saber como se comportar, Luísa ficava muda com a extrema ansiedade que sentia quando falavam com ela.
Quando a recebeu no consultório, Alexandra Chumbo nem tentou fazer com que Luísa falasse com ela. “Nas primeiras duas sessões só brincámos.” Depois, a psicóloga conversou com a professora e pediu-lhe que apenas lhe fizesse perguntas com respostas de um vocábulo: sim ou não. Como: “Gostas da cor azul?” Também pediu ajuda à mãe da amiga de Luísa. “Incentivei a criança a falar mais com ela.”
Mas a resolução do problema passava também pelos pais. “Aconselhei-os a inscreverem a filha numa actividade e ela foi para a natação. Também pedi que a levassem a passear a parques infantis ao fim-de-semana para ela poder ter oportunidades de socializar.” Aos poucos, Luísa foi começando a responder às perguntas da professora e dos colegas. “Não se tornou faladora, mas após cerca de oito meses de terapia estava mais adaptada.”
O problema não é a timidez
O diagnóstico não é fácil. “Tem de se excluir outras perturbações que se podem confundir com o mutismo selectivo”, explica a psicóloga clínica Ana Durão. Há crianças que, como não respondem às perguntas na sala de aula, são diagnosticadas com dificuldades de aprendizagem. Outras são caracterizadas apenas como muito tímidas. “O mutismo selectivo é muito confundido com a timidez. Os pais desculpam o facto de os filhos não falarem com estranhos e acabam por reforçar o comportamento.”
O mutismo selectivo está contemplado no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria como perturbação da ansiedade infantil. “É diagnosticado, normalmente, entre os 4 e os 6 anos de idade, na altura em que se entra para o pré-escolar ou para o primeiro ciclo.” Mas só ao fim de dois meses de a criança entrar na escola é que os pais se devem preocupar. “Há um período de adaptação em que a criança pode não falar, por ainda não conhecer bem a professora, mas que é transitório.”
Não há certezas sobre a origem desta perturbação. “Pode existir uma predisposição genética da criança para a ansiedade. Mas viver num ambiente superprotector, que não a expõe a diferentes contextos sociais, também pode influenciar”, diz Ana Durão.
Trauma pode gerar transtorno
Para o psicólogo clínico Manuel Coutinho, o mutismo selectivo também pode ser provocado por situações traumáticas. Foi isso que aconteceu ao único paciente que tratou com esta perturbação em 30 anos de profissão, um rapaz de 8 anos que era introvertido, triste, e se isolava na escola. De um dia para o outro, deixou de responder à professora e aos colegas. “Em casa, só falava com a mãe”, conta o psicólogo.
O problema era o pai. “Um homem extremamente autoritário, severo e com muita agressividade verbal. A criança ficava em pânico ao pé dele e não conseguia reagir”, conta o psicólogo. A terapia durou um ano. “Foi preciso ganhar a confiança da criança e fazer um trabalho ponderado com a família para que ele deixasse de sentir o pai como uma ameaça.” O jovem ainda hoje é reservado. Mas já enfrenta o pai sem bloquear.
O que fazer para evitar
Cuidado com a superprotecção. Pode ser perigosa
1. Incentive conversas
Estimule o seu filho, desde que começa a falar, a interpelar pessoas em várias situações – cafés ou parques infantis.
2. Não force conversas
Planeie saídas sociais onde estejam pessoas estranhas, mas não obrigue a criança a falar, nem ralhe com ela se recusar fazê-lo.
3. Crie independência
Não termine as frases do seu filho para evitar criar dependência.
Fonte: Susana Lúcio – Revista Sábado
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