Reportagem da TVI, o sistema inglês e a opinião pública
Como técnico que trabalha há mais de uma década com crianças e com toda a racionalidade que a parentalidade não me pode toldar, assisti à polémica reportagem da TVI e tirei algumas conclusões.
Não me limitei a isso e sei que sou privilegiado por conhecer técnicos de serviço social que trabalham no Reino Unido e curioso o suficiente para não me satisfazer com uma reportagem que não é imparcial e isenta e que sou mostrou um lado da história. Tentei, ainda, pesquisar e perceber o enquadramento legal desta situação. Concluí alguns destes pontos:
1- O sistema social do Reino Unido aposta na prevenção. Ao contrário do sistema português que parte do pressuposto que está tudo bem com as famílias e só actua reactivamente, o sistema inglês prefere antecipar riscos e actuar em caso de possibilidade de maus tratos que ainda nem ocorrem mas que pode haver a hipótese, mesmo que remota, de ocorrerem. Não querem correr riscos uma vez que têm um histórico de maus tratos na infância por parte de cuidadores formais e informais que não querem repetir, incorrendo nos mesmos erros. Pode-se, especialmente se analisarmos à luz do que acontece na realidade portuguesa, pecar por excesso de zelo mas acreditam que é mais eficaz desta forma e que a preservação da vida de uma criança é um bem maior.
2- O caso do bebé Santiago tem uma série de informações de fácil pesquisa na internet. Alegadamente, o progenitor estava sinalizado pelo sistema inglês devido à suspeita de venda substância ilícitas. Nenhum dos progenitores procedeu ao registo do nascimento da criança no prazo exigido para o efeito. Por outro lado, após o nascimento do bebé a observação obrigatória em Inglaterra por parte da equipa de saúde de cuidados pós-natais não foi possibilitada pela progenitora, após tentativas consecutivas por mais de uma semana, com o argumento de que “estaria muito cansada” (E todas as mulheres sabem que a enfermeira vai a casa cuidar da mãe e do bebé nos primeiros 10 dias e depois a enfermeira vai uma vez por mês a casa ver o bebé. Mais, em Inglaterra tenta-se ver a criança, no mínimo 3 vezes, antes de se sinalizar o impedimento por parte dos progenitores no acesso e na prestação de cuidados aos recém-nascidos). Quando, finalmente, a criança pôde ser observada apresentava um quadro de icterícia e desidratação após um parto em casa, para o qual não foi pedido apoio clínico, acompanhamento médico, logo, absolutamente negligenciado. Finalmente, após o processo entrar nos seus trâmites legais os pais não comparecem às sessões no tribunal para as quais foram convocadas, pois mudaram de país e voltaram para Portugal, não obstante o processo ocorrer no Reino Unido. Foram factos atrás de factos que provocaram o aumento do alerta por parte dos serviços sociais ingleses e não me parece que haja aqui qualquer tipo de perseguição ou má fé. Apenas cuidado em preservar o bem estar da criança e em garantir-lhe os melhores cuidados, e, aparentemente, e face a tudo o que se expôs, a permanência dentro desta dinâmica familiar não era a situação ideal para a criança e a que oferecesse menos riscos.
3- Não sei se o sistema social britânico, quanto a esta matéria é o mais perfeito. Mas, na minha opinião, é francamente melhor que o português que, só este ano, viu chegar à luz do dia três mortes de menores que, provavelmente, não teriam acontecido se estivéssemos em Inglaterra. Relembro que Rodrigo Lapa, de 15 anos, morreu violentamente alegadamente às mãos do padrasto; Viviane, de 19 meses, e Samira, de quatro anos morreram afogadas no rio Tejo depois da progenitora se ter atirado ao rio após queixas de violência doméstica por parte do marido e alegados abusos sexuais à filha de ambos; e, ainda, uma criança de seis anos morreu afogada após a mãe o ter atirado ao rio Cávado. Dois destes casos estavam sinalizados e eram seguidos pela CPCJ da respectiva área de residência.
4- O sistema social inglês não anda a perseguir as mães portuguesas, ao contrário do que a reportagem da TVI nos quis fazer acreditar. As regras são transversais e do conhecimento de todos. São aplicadas de forma transversal. Para pais ingleses e estrangeiros. Para todos, Talvez seja um sistema que peca por excesso e, por isso, possa estar longe de ser perfeito. Mas não corre riscos, ou corre o mínimo de riscos possível.
5- A comunicação social enquanto canal de influência de massas tem o dever de informar com rigor, seriedade, isenção e imparcialidade a sociedade. Ouvir apenas um lado da história, fazer juízos de valor, conduzir as matérias para o lado mais sensacionalista e que gera maior buzz não é informar: é manipular. Cabe-nos a nós questionarmo-nos, termos sentido crítico e pesquisarmos para além do que nos é dado já mastigado a conhecer.
6- Não conheço todos os contornos deste processo, Mas não posso, como técnico, embarcar em histerias colectivas. Aguardemos próximos desenvolvimentos. E ouçamos todos os intervenientes numa perspectiva holística. E pesquisemos, procuremos saber mais, não nos contentemos apenas com um lado da história.
7- Recomendo a leitura do comunicado emitido pelo Consulado Português em Londres. Onde? Aqui E, em atalho de foice, o despacho emitido pelo tribinal quanto ao processo em questão: aqui.
Fonte: Rui Brasil (11-10-2016) Blog: Em nome do pai
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